A tecnologia ampliou significativamente as possibilidades de “invenção” de novas formas de exploração
Brasília – O Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas, que traz dados de 2021 a 2023, aponta que houve mudança central do modo de operação desse crime com o uso de ferramentas tecnológicas. A tecnologia ampliou significativamente as possibilidades de aliciamento, controle e, inclusive, de “invenção” de novas formas de exploração, de acordo com o documento.
O relatório foi divulgado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus). O estudo contou com o apoio técnico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas (UNODC). Na ocasião, também foi lançado o IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. A solenidade ocorre durante o seminário nacional “Um Novo Capítulo da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas” .
Sobre o uso da tecnologia, o documento registra que “a atuação no ambiente virtual ampliou a margem de lucro dos traficantes, visto que viabiliza uma atuação de forma eficiente e ágil em escala global, com uma significativa capilaridade ao entrar em contato com um maior número de vítimas simultaneamente”. E completa “O uso de aplicativos também é utilizado para aliciar pessoas, principalmente as que se encontram em contextos de vulnerabilidade socioeconômica, com promessas laborais enganosas. Por meio do Facebook e WhatsApp, é possível alcançar trabalhadores/as em áreas remotas em um curto período de tempo”.
Em relação ao perfil das vítimas detectadas no País, a maioria é do sexo masculino, entre 18 e 29 anos e da raça negra. Seguem invisíveis aos registros oficiais as vítimas indígenas, transgênero e com deficiência.
Quanto às finalidades do tráfico de pessoas, a exploração laboral segue sendo a principal forma identificada. O número de não nacionais resgatados em condições análogas à escravidão segue em crescimento. A nacionalidade com mais resgatados, entre 2021 e 2023, foi a paraguaia, seguida da venezuelana e da boliviana. Pela primeira vez, foram registrados nos postos consulares mais brasileiros explorados para finalidades laborais. Tradicionalmente, a exploração sexual era a finalidade primordial do tráfico internacional de brasileiros e brasileiras.
No que se refere às finalidades invisibilizadas, pode-se dizer que a exploração para o cometimento de delitos nunca esteve tão pulsante. Essa finalidade foi relacionada ao transporte de drogas, produção de mercadorias ilícitas e a atuação em ações financeiras fraudulentas. Outra finalidade identificada como em ascensão é a adoção ilegal, que desafia por utilizar métodos sofisticados, com um número maior de envolvidos.
A perspectiva de gênero esteve presente no debate de duas finalidades socialmente ignoradas devido à desigualdade estrutural entre homens e mulheres: o trabalho escravo no âmbito doméstico e a exploração do trabalho sexual. O primeiro encontra-se em crescente debate no País, o que gera mais denúncias e, provavelmente, seguirá em ascensão o número de resgates de mulheres que foram exploradas na maior parte de suas vidas. De acordo com o relatório, a exploração no âmbito doméstico dura, em média, mais de 10 anos, enquanto a média de exploração nos outros setores é de 50 dias.
Por outro lado, a exploração do trabalho sexual ainda carrega muitos preconceitos e tabus, que impedem o avanço na proteção e garantia de direitos de mulheres que, além da exploração laboral, possuem uma história de vida marcada por discriminação e violências.
Combate ao crime
O tráfico de pessoas é um crime com alta subnotificação, portanto, os dados do relatório são estimativas da realidade. Isso ocorre porque as vítimas frequentemente temem denunciar, devido à vergonha, à discriminação, ao desconhecimento da condição de vítima, à falta de informações sobre os mecanismos de denúncia ou ao medo de represálias.
Entre 2021 e 2023, a Polícia Federal deflagrou 35 operações referente ao tráfico de pessoas e indiciou 70 pessoas.
O documento registra que a apropriação do potencial dos recursos digitais por parte dos agentes de inteligência governamental e das autoridades responsáveis na repressão desse delito deve ser uma prioridade.
Relatório
Esse é o sexto estudo do Brasil sobre o tema e apresenta um conjunto de informações atualizadas sobre o tráfico de pessoas. O último divulgou dados entre os anos 2017 e 2020.
“O documento expõe um conjunto de informações fornecidas por autoridades nacionais sobre o tráfico de pessoas de diferentes órgãos. Os dados quantitativos e qualitativos resultaram na atual ‘fotografia’ do tráfico de pessoas no Brasil, além de suscitar questões relativas a aspectos desse crime que não aparecem nos registros oficiais”, explicou a coordenadora-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do MJSP, Marina Bernardes.