É preciso priorizar atividades de baixo impacto ambiental nessas áreas que são prioritárias para a conservação da espécie
Criar Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral em áreas prioritárias nas zonas urbana e rural de Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara, e estabelecer corredores ecológicos para fortalecer a conectividade entre elas é uma das medidas necessárias para tirar da rota da extinção o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), espécie endêmica do Amazonas que se encontra categorizada nacional e internacionalmente como Criticamente em Perigo de extinção e está entre os primatas mais ameaçados do mundo, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN).
As recomendações fazem parte do estudo “Identificação de Áreas Prioritárias para a Conservação do sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) no Estado do Amazonas”, lançado nesta quinta (21), em seminário promovido pelo Instituto Sauim-de-coleira (ISC) no Auditório do Bosque da Ciência do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
O estudo é fruto de uma articulação entre 18 pesquisadores do ISC, Museu Emílio Goeldi (MPEG), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), INPA e ICMBio, que, ao longo de cerca de um ano e meio, estudaram as principais ameaças (áreas desflorestadas, estradas, obras de infraestrutura e etc), os requerimentos ecológicos da espécie, os vários tipos de ambientes, as outras espécies que ocorrem na área e as relações da ocupação humana na área de distribuição do sauim-de-coleira.
A pesquisa aponta os caminhos para a elaboração de uma estratégia para a conservação da espécie mais robusta, eficaz e pautada na ciência, explica o presidente do Instituto Sauim-de-coleira, Maurício Noronha.
“O objetivo deste estudo é balizar as políticas públicas. Ele é o primeiro passo, aponta o caminho a ser seguido. Com esse estudo em mãos, conhecemos as áreas e ações prioritárias para o sucesso das estratégias para a conservação da espécie, e podemos direcionar as ações do Plano de Ação Nacional para a Conservação do Sauim-de-coleira (PAN SAUIM-ICMBio), assim como políticas públicas em outras esferas governamentais”, explicou.
A pesquisadora Dra. Ana Luisa Albernaz, do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), de Belém, que liderou o estudo, explica que a criação de áreas protegidas com categorias mais restritivas é fundamental para a conservação do sauim-de-coleira.
Também é preciso urgentemente consolidar os Planos de Manejo e os Conselhos Gestores das áreas protegidas mais permissivas, como é o caso das Áreas de Proteção Ambiental (APAs), categoria mais comum nos 8.000 km² habitados pela espécie, nos municípios de Manaus, Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo.
“Manaus tem quase 30% de áreas protegidas em sua zona urbana, a maioria APAs. Mas boa parte tem floresta severamente fragmentada pelas ocupações humanas, o que impacta as populações de sauins. Então, do ponto de vista técnico, recomendamos que sejam criadas áreas com categorias mais restritivas”, disse a pesquisadora.
Mas ela lembra que muitas outras ações também precisam ser implementadas em outras esferas, como políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável e a valorização da bioeconomia que valoriza a floresta em pé.
“A gente vem vivendo uma crise ambiental sem precedentes. Secas e incêndios florestais que deixam consequências bastante sérias, não só em termos de perda de biodiversidade, mas também para nós, para a humanidade. A solução para a crise que nos afeta passa pelo enfrentamento à crise ambiental. Quando protegemos o habitat do sauim, estamos protegendo a nós mesmos”, lembrou.
O pesquisador professor Dr. Marcelo Gordo, do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), membro da equipe do estudo e coordenador do Projeto Sauim-de-coleira, lembrou que é preciso que essas medidas sejam adotadas quanto antes para evitar a extinção da espécie. Uma estimativa baseada em estudos populacionais e de perda de habitat apontou que, no ritmo atual, a população de sauim-de-coleira pode sofrer uma redução de até 80% dentro de três gerações, ou seja, nos próximos 18 anos.
“Há estudos que apontam que a perda populacional do sauim já acontece há mais de 10 mil anos, mas isso nunca aconteceu em um ritmo tão intenso como agora”.
Segundo Marcelo Gordo, as principais ameaças para a espécie são a perda e a fragmentação do seu habitat, tanto nas áreas urbanas, onde enfrentam a especulação imobiliária e o crescimento urbano desordenado, quanto nas zonas rurais, onde o maior obstáculo à conservação é o avanço da fronteira agropecuária sobre as florestas.
“Perda é quando uma floresta é derrubada para dar lugar a um condomínio ou a um pasto, por exemplo. Já a fragmentação acontece quando obras e intervenções como as estradas ou fazendas cortam e isolam áreas de floresta. A perda de conectividade entre essas áreas resulta na perda de variabilidade genética das populações isoladas, o que também contribui para o seu desaparecimento” explicou.
Agravando esse cenário, muitos sauins, ao se deslocarem entre fragmentos, em busca de abrigo e alimento, acabam atropelados, eletrocutados ou atacados por cães. Outra ameaça é a hibridização com outra espécie concorrente: o sauim-da-mão-dourada (Saguinus midas).
Todos esses fatores contribuem para colocar o sauim-de-coleira no caminho da extinção. Por esse motivo a espécie está categorizado nacional e internacionalmente como Criticamente em Perigo (CR) tanto na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), como na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN. Essa é a categoria na qual as espécies enfrentam o mais alto risco de extinção na natureza.
Pesquisa é base para plano de ação
Analista ambiental do ICMBio, o médico veterinário Diogo Lagroteria destacou a importância do estudo “Identificação das Áreas Prioritárias para a Conservação do Sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) no Estado do Amazonas” para a elaboração do plano de ação voltado para a conservação da espécie.
“O resultado desse trabalho, que reuniu alguns dos maiores especialistas da região amazônica, é este produto fundamental para o planejamento da conservação dessa espécie nos próximos anos. Eu costumo dizer que os planos de ação para a conservação de uma espécie são um grande pacto entre a sociedade para unir esforços, priorizar ações, sermos mais assertivos e trabalharmos de forma articulada. Agora é chamar as instituições parceiras para fazer parte das ações, que devem começar no próximo ano”, afirmou Lagroteria, que integra o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica (CEPAM), vinculado ao ICMBio e que, junto com o Centro de Primatas Brasileiros (CPB), coordena um plano de ação nacional para a conservação do sauim-de-coleira, em parceria com instituições como o IBAMA, INPA, UFAM e Instituto Sauim-de-coleira.
Financiado pela Re:wild, o estudo foi realizado pelo ISC, em parceria com o Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica (CEPAM), o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB), do ICMBIO, e o Tamarin Trust.
Desafios da conservação
Segundo o presidente do ISC, o seminário para apresentação dos resultados do estudo “Identificação de Áreas Prioritárias para a Conservação do sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) no Estado do Amazonas” é um marco para a conservação da espécie. Além de balizar todas as ações para a conservação do sauim, conseguiu, com sucesso, reunir a comunidade científica, acadêmica, organizações da sociedade civil, gestores e a sociedade para discutir um tema tão relevante para o nosso estado. Para ele, o sauim é uma espécie “bandeira” para o desenvolvimento sustentável. Com a conservação da espécie e seu habitat – a Floresta Amazônica –, ganha a sociedade, ganha o meio ambiente, ganha o Brasil e ganha o planeta como um todo.
O coordenador da Coordenação de Biodiversidade do INPA, Geangelo Calvi, lembrou que o sauim-de-coleira é uma espécie símbolo, mas que representa várias outras que também são endêmicas desta mesma região e estão ameaçadas. “Hoje estamos falando do sauim-de-coleira, mas ele pode ser um laboratório para outras espécies extremamente ameaçadas. O que temos aqui é um projeto que pode ser um piloto para ser replicado com outras espécies ameaçadas”, lembrou.